Relatório do Seminário: "Índios em Sergipe e os Xokó (hoje)"

segunda-feira, 7 de maio de 2012
Nos dias 19 e 20 de abril de 2012, ocorreu, na Universidade Federal de Sergipe, o Seminário Índios em Sergipe e os Xokó (hoje)". Sob a coordenação do Prof. Dr. Antonio Lindvaldo e organizado por alunos do curso de História Licenciatura da UFS, o evento trouxe, nos dois dias de palestras, profissionais e pesquisadores do tema, bem como promoveu um encontro entre os alunos participantes e o ex-cacique Apolônio Xokó, experiencia essa que foi bastante enriquecedora.

A primeira palestra foi feita pela Profª Beatriz Góes Dantas, a qual participou ativamente da luta do povo Xokó, reunindo a documentação necessária para provar que os índios tinham direito à terra. A professora é referência no assunto não só por sua atuação junto aos Xokó, mas também pelos anos de pesquisa que realizou sobre os índios em Sergipe. Em sua fala, ela chamou atenção para a percepção européia sobre os índios, que desconsiderava a diversidade linguística e cultural daqueles povos, dividindo-os em dois grupos: os "tapuia" (termo tupi para "inimigo") e os Tupi. Ela também falou de aspectos sociais indígenas como a guerra, que tinha a função de funcionar como passagem de um jovem índio para a classe de "homem".  A professora nos relembrou do choque cultural que se deu entre indígenas e europeus, entre uma sociedade para a subsistência e uma sociedade baseada na acumulação de riquezas. A busca pela riqueza levou os europeus a adentrar no território e, à medida que iam ocupando terras, levavam a cruz. Concomitante ao avanço territorial foi a expansão da fé católica. Os índios, por sua vez, eram vistos de várias formas: como mão-de-obra, como almas a serem conquistadas para Deus, como infiéis que precisavam ser catequisados (guerras justas). As primeiras tentativas de catequese ocorrem em 1575, e fracassam por conta da ação da família Brito, detentora de poder devido à atividade pecuária. Com a conquista de Sergipe em 1590 por Cristóvão de Barros, missões começam a ser enviadas para cá, a fim de reorganizar os índios. Fossem ambulantes ou em forma de aldeamento, as missões funcionaram como um meio de "domesticar" os índios "selvagens", mas também de reservar terras e mão-de-obra. A Profª Beatriz chamou atenção para a produção escrita dos missionários - gramáticas e catecismos - que funcionaram como instrumentos de catequese e hoje são, para os historiadores, importantes fontes históricas para entendermos a missão como um espaço de contradições e choques de vozes em conflito. Na metade do século XIX, os registros sobre os índios em Sergipe desaparecem. Buscando responder a essa questão, a professora debruçou-se, juntamente com um grupo de pesquisa, sobre os documentos históricos, e notou que em 1850 foi assinada uma lei que mudaria a vida dos índios de Sergipe: a Lei de Terras. Nesse momento, o governo provincial declarou que os índios não mais existiam em Sergipe e que aqueles que se declaravam índios eram na verdade caboclos, mestiços. Assim, eles não teriam direito à terra. Assim, mais uma vez pudemos notar o choque de vozes e interesses, pois versões diferentes tentam contar uma mesma história. Foi a partir dessa investigação que a professora envolveu-se diretamente com a luta do povo Xokó.

A segunda palestra foi ministrada pelo Prof. Dr. Pedro Abelardo. O foco do professor foi a catequese e a civilização dos índios no Império. No período imperial pós-independência, discutia-se sobre "o problema indígena". O professor explicou o projeto civilizador de Bonifácio para os índios, que seria empreendido por meio da retomada da catequese. Dessa forma, catequistas capuchinhos chegam a Sergipe como funcionários do Estado - ou seja, agora, as missões são regulamentadas - cujo objetivo é civilizar os índios. O professor apresentou-nos uma diferenciação importante entre a catequese colonial e a catequese do século XIX, no período imperial pós-independência. A catequese colonial visava tornar os índios bons cristãos, promovia a expansão da cristandade e tinha como instituição de fomento a Igreja. Já a catequese colonial visava tornar os índios cidadãos do império, promovia a expansão do império e tinha no próprio estado imperial sua instituição de fomento.

Seria ingenuidade pensar que os indígenas assistiram a esse processo sem oferecer resistência. Tocando neste ponto tão importante e ainda tão pouco discutido, o Prof. Whitney Fernandes explanou sobre a reação indígena em Pacatuba diante da usurpação de suas terras, demonstrando mais uma vez que os índios não permaneceram passivos frente Às injustiças sofridas por eles. Não esquecendo que ainda existem índios e ainda existem causas de luta, o Prof. Avelar Araujo falou sobre o movimento indígena e a atualização das suas pautas de luta. Hoje, os índios possuem mais participação política, embora ainda sejam cerceados em algumas ocasiões e locais. Existem cerca de 225 povos, mais de 180 línguas. 688 terras indígenas ainda estão em processo de reconhecimento. Apesar de 85% do território indígena ter sido demarcado, ainda existem 12 etnias que aguardam pela demarcação de suas terras. Baseado nestes dados, o Prof. Avelar demonstrou que a principal pauta de luta dos índios ainda é o direito à terra, pois dela retiram todo o seu sustento e é lá que podem viver e praticar sua cultura livremente.

Por último, mas com certeza não menos importância, os alunos puderam ter a oportunidade de conversar com o ex-cacique Apolônio Xokó. Ele falou sobre a luta do povo Xokó, oferecendo um relato detalhado, numa linguagem simples e objetiva, emocionada e firme. Ao mesmo tempo, Apolônio trouxe reflexões importantes, como as rivalidades e intrigas existentes entre movimentos sociais como o movimento indígena e o movimento negro. Ele nos mostrou como existe preconceito e discriminação mesmo entre as chamadas "minorias sociais". Apolônio, com sua simplicidade, conseguiu contagiar os alunos que assistiam o Seminário no auditório de Geografia da UFS. Ele contou uma história real e regada a lua e sangue, de maneira tranquila e, em certos momentos, engraçada. Por sua simpatia e vivência, sua presença e sua fala tornou-se o ápice do Seminário, pois permitiu aos alunos não só ouvirem a história, mas conhecerem-na. Ela estava ali, em pé, diante deles. É de carne e osso, sorri, conta sua história e ainda usa o imponente cocar de quem tem a autoridade de guardar a memória da luta de um povo em si mesmo.

Carolline Acioli 

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